Dabigatran: Como não fazer… Vamos todos aprender!!!

Por Maramelia Miranda

Homem, 60 anos, tem uma válvula metálica implantada há 4 anos. Usava warfarina, mas tinha uma aderência irregular, com oscilações de INR. O cardiologista assistente, não se sabe bem o por quê, resolve trocar a warfarina por dabigatran, acreditando que:

1 – Agora não irá precisar fazer os malditos controles de INR para o seu paciente “tigre” ?

2 – Agora será mais fácil manter este paciente anticoagulado.(?)

3 – O INR dele varia demais. Vamos simplificar a coisa. (Terá sido por causa disso?)

Dez dias depois da troca dos anticoagulandes, o paciente de 60 anos – valvulopata metálico com dabigatran – apresenta um AVC isquêmico de artéria cerebral média. Usando dabigatran. Chega dentro das 3 horas, mas perde a chance de ser trombolisado. Trombo duro na artéria cerebral média. NA ESQUERDA. Desfecho após 30 dias: afásico global, hemiplégico à direita. Infarto de mais de 2/3 da artéria cerebral média esquerda. Alta em Home Care.

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Para nós estudarmos e aprendermos, trago pra vocês alguns artigos bem recentes:

Albers et al. Using Dabigatran in Patients With Stroke: A Practical Guide for Clinicians. Stroke 2011. Artigo de revisão,  com guia prático das situações usuais enfrentadas por neurologistas no manejo e troca de anticoagulação em pacientes com risco de AVCi cardioembólico.

Casado et al. Fatal Intracerebral Hemorrhage Associated with Administration of Recombinant Tissue Plasminogen Activator in a Stroke Patient on Treatment with Dabigatran. Cerebrovasc Dis 2011. Relato de um caso trágico – hemorragia fatal, ocorrida quando um neurologista “corajoso” resolveu fazer rTPA em um paciente que usava o dabigatran.

Dempfle et al. Fibrinolytic Treatment of Acute Ischemic Stroke for Patients on New Oral Anticoagulant Drugs. O case report acima, seu editorial. Já viram isso??? Case report com editorial. Interessante.

PS1. Boas festas a todos, este deve ser nosso último post do ano. PORTANTO, Feliz 2012. Muitos “tudo” (felicidade, saúde, trabalho, sucesso… etc…) a todos nós.

PS2. Eu não fiz rTPA no casinho descrito acima… Nem troquei warfarina por dabigatran em paciente com FA valvular… Apenas para registro.

Estenoses Intracranianas: SAMMPRIS publicado!

Depois de anunciarmos em primeira mão a recente interrupção do estudo SAMMPRIS – veja aqui, há alguns meses atrás, hoje temos a satisfação de postar um review do artigo sobre este estudo, publicado online pela NEJM em 7 de setembro último.

Como já tínhamos adiantado a todos, nos pacientes com AIT ou AVCI recente devido a estenose de alguma grande artéria intracraniana entre 70 a 99%, o tratamento médico agressivo foi superior à combinação de tratamento com angioplastia + stenting e tratamento médico agressivo, e o número de complicações relacionadas ao procedimento intervencionista foi quase o dobro dos controles históricos de estudos relacionados ao WINGSPAN, e por estes motivos, o NIH resolveu interromper o estudo SAMMPRIS.

Resultado do Estudo SAMMPRIS

A comunidade neurológica estava ansiosa por aguardar a publicação, e enfim, chegou! As taxas de AVC e morte em 30 dias, no grupo tratado com tratamento médico agressivo + angioplastia/stenting com Wingspan, foi de 14,7%, número substancialmente superior aos observados em dois registros e um estudo clínico prévios com o mesmo tipo de stent (4.4% a 9.6%). Ao contrário, o braço de pacientes submetido a tratamento médico agressivo teve taxa de eventos ocorridos bem inferior ao controle histórico de tratamento clínico (estudo WASID), de cerca de 5,8% em 3 e 12% ao ano, versus 10,7 e 25%, respectivamente, do estudo WASID.

A discussão do artigo é bem interessante, levanta questionamentos a respeito do expertise dos neurointervencionistas, do seu credenciamento, das taxas de complicações periprocedimentos dos casos de angioplastia/stenting, timing dos procedimentos, frequência das complicações, entre outros pontos que renderão longas controvérsias…

E mais uma coisa importante: nos pacientes tratados clinicamente, as drogas antiagregantes usadas foram o AAS associado ao Clopidogrel, na fase aguda do AVCi ou AIT – uma conduta que, certamente, será replicada na prática clínica, com grandes chances de ser adotada nos guidelines futuros…

O artigo está disponível para download em PDF, na íntegra, gratuitamente, no site da NEJM.

Ah! Claro. Tem editorial. Por Joseph Broderick.

Links Relacionados

Estenoses Intracranianas: SAMMPRIS interrompido!

Stenting versus Aggressive Medical Therapy for Intracranial Arterial Stenosis – Original article

Editorial NEJM – The Challenges of Intracranial Revascularization for Stroke Prevention

Insuficiência Venosa Cerebral Crônica pode ser a causa da Esclerose Múltipla: Será?!

Se vocês pensaram que fui algo provocativa no último post, ah! Doce ilusão!

Este aqui é mais polêmico ainda: A teoria é a seguinte: o mecanismo autoimune presente na esclerose múltipla pode ter, como uma possível causa, uma insuficiência venosa cerebroespinhal crônica (CCSVI – sigla em inglês), que leva à congestão venosa, aumento da deposição de ferro pericapilar, e consequente resposta imunológica contra estas regiões encefálicas …

Será?! Esclerose múltipla é causada por distúrbio vascular!??? “Comemos bola” estes anos todos dando imunomoduladores para os pacientes?!Como pode?!

A idéia foi publicada pela primeira vez em 2009, por um grupo de pesquisadores italianos. De lá pra cá, vários, vários papers sairam a respeito, muito interesse da mídia,  o pior, a procura desperada pelos pacientes com EM, em busca da possível “cura”.

Na Academia Americana de Neurologia de 2010, mais de 4000 médicos  estavam inscritos para assistir a mesa de debate sobre este tema. Estavam presentes o Dr. Zamboni, italiano que primeiro provocou a questão em 2009, e outros experts em neuroimunologia… Este ano, no Havaí, mais polêmica, e muita discussão!

Hoje, vários centros americanos e em outras partes do mundo fazem os procedimentos off-label, de angioplastia e stenting venoso, na tentativa de tentar tratar aqueles casos que tem o diagnóstico de insuficiência venosa cervical, ou estenose de alguma veia cerebral profunda ou da jugular interna…

Um detalhe é fato: o método de diagnóstico da condição CCSVI, com ultrassonografia, é bastante questionado, bem como os critérios ultrassonográficos utilizados por Zamboni e colaboradores. Por outro lado, séries de casos tratados por via endovascular tem demonstrado resultados animadores, com redução de número de surtos em portadores de EM remitente-recorrente, ou parada de progressão da doença.

Está em andamento um estudo clínico, o trial PREMiSe (Prospective Randomized Endovascular therapy in Multiple Sclerosis), comparando a ATC venosa cervical versus ATC “sham”, liderados por pesquisadores da Universidade de Buffalo. E, vejam só, tem até annual meetings… Vai ter agora em Julho de 2011, o 2nd Annual CCSVI Update Symposium. É mole?!

Enfim, não bastam as informações acima. Quem tiver curiosidade, acessem abaixo os links para uma “polêmica” leitura. Muito bom.

Zamboni et al. JNNP 2009. Chronic cerebrospinal venous insufficiency in patients with multiple sclerosis.

Mayer et al. JNNP 2011. The perfect crime? CCSVI not leaving a trace in MS.

Doepp et al. Ann Neurol 2010. No cerebrocervical venous congestion in patients with multiple sclerosis.

Khan et al. Multiple Sclerosis 2011. Cerebrospinal venous insufficiency and multiple sclerosis: investigating the truth.

The multiple sclerosis mystery: is there a vascular component?

Filtros de Proteção para Angioplastia Carotídea: Necessário?

Talvez o nosso conhecido Werner Hacke, de Heidelberg , Alemanha, realmente tenha razão… ?!  Quem já assistiu alguma aula dele sabe do que estamos falando… Há realmente evidência no benefício de dispositivos, cateteres, filtros, balões, enfim, todas aquelas novas tecnologias, nos procedimentos endovasculares em geral? Será que aqueles filtros de proteção – usados para proteger o cérebro contra microembolizações durante o procedimento da angioplastia das carótidas, são realmente necessários, ou fazem parte da grande indústria que hoje circunda a Neurorradiologia Intervencionista?

Imagem de filtro de proteção após uma angioplastia carotídea, contendo restos de material de placa carotídea, desprendidas durante o procedimento. Cortesia: Dr. Jose Guilherme Caldas, Neurointervencionista / SP.

O grupo de pesquisadores da Mayo Clinic de Rochester, tentou responder esta lacuna na literatura neurointervencionista. Tallarita e colaboradores estudaram os casos de seu serviço de Neurorradiologia Intervencionista, entre 1999 e 2009, tratados com angioplastia carotídea, revisando retrospectivamente todos os pacientes tratados com os dispositivos de proteção  (n=252) ou sem os  tais devices (n=105).

Em resumo, para não prolongar a discussão, apesar das críticas válidas, a respeito da metodologia retrospectiva e não controlada, bem como em algumas diferenças clínicas entre os dois grupos, e mesmo considerando a desvantagem da curva de aprendizado, já que os pacientes tratados sem proteção foram predominantemente os primeiros submetidos a este tratamento, no início da década de 2000, não houve diferenças nos end-points primários considerados (AVC, IM e morte cardiovascular): 2% nos pacientes tratados com dispositivos de proteção, versus 4.8% nos casos sem estes dispositivos, com p=0.15. Ocorreu AVC ipsilateral em 3.8% dos casos sem proteção, versus 0.8% no grupo com proteção (p=0.6).

A conclusão? Vejam o abstract AQUI. Quem quiser ler mais, estou à disposição para quem não tem acesso à Stroke.

Tenecteplase é seguro como resgate na trombólise endovenosa

Por Leticia Rebello e Maramélia Miranda

Um artigo recém publicado pela revista Stroke levanta uma opção para os pacientes com AVCi agudo e oclusões proximais na artéria cerebral média (ACM), que falham na terapia com rtPA EV.

Os pesquisadores franceses estudaram o uso de tratamento combinado – rTPA EV + tenecteplase EV de resgate, para os casos de oclusões proximais do segmento M1 da ACM. A taxa de recanalização, após uma média de 16 horas de follow-up, foi de 100%, com hemorragia intracraniana ocorrendo em 4 dos 13 pacientes tratados (31%), mas sem nenhum caso sintomático. O Rankin de 0/1 foi atingido em 9 dos 13 casos com terapia combinada (69%), desfecho semelhante ao grupo que teve recanalização com o rTPA EV apenas. Os autores ressaltam o número de casos reduzido, mas alertam para a necessidade de outros estudos, com maior número de pacientes, para avaliar a terapia combinada com o alteplase e o tenecteplase EV no AVCi agudo.

Muito interessante.

Vejam abaixo os resultados, e quem quiser ler o abstract, acessem o site da Stroke AQUI. Caso queiram o artigo na íntegra, mandem-nos o email.

ABCD2 Escore: útil ou fútil?

Já sabemos que a AHA/ASA recomenda o escore ABCD2 para estratificar o risco de eventos futuros em pacientes com AIT, indicando esta ferramenta para auxiliar o manejo ambulatorial ou hospitalar dos casos de AIT.

Entretanto, um grupo de pesquisadores do Canadá quis provocar esta questão, e publicou as conclusões do primeiro estudo prospectivo a este respeito, que tentou validar esta escala, analisando mais de 2000 pacientes admitidos em emergências de hospitais canadenses, e demonstrando que um escore de mais de 5 na escala ABCD2 teve baixa sensibilidade  (31.6%; 95% CI, 19.1% – 47.5%) para predizer a ocorrência de um AVC em 7 dias. Quando o desfecho calculado foi de AVC em 90 dias, a sensibilidade foi de 29.2% (95% CI, 19.6% – 41.2%).

As sensibilidades encontradas neste estudo foram consideradas bastante baixas para serem clinicamente aceitáveis como ferramentas de estratificação de risco, segundo o autor principal do estudo, Jeffrey Perry.

Conforme critério proposto pela AHA, um escore ABCD2 > 2 resulta em sensibilidade de 94.7% (95% CI, 82.7% – 98.5%) para a ocorrência de AVCi em 7 dias, mas com especificidade de apenas 12.5% (95% CI, 11.25 – 14.1%).

Segundo a publicação canadense, o ponto de corte proposto pela AHA, de 2 na escala ABCD2, é muito baixo e pouco discriminativo para predizer um AVC nos primeiros dias do evento índice.

Resumindo, os autores do estudo concluiram que o escore ABCD2 teve pouca acurácia, em qualquer ponto de corte, como preditor de AVCI.

Comentário: aqui pra nós, isso ainda vai dar o que falar…

Para ler mais, acesse o artigo na íntegra AQUI.

Publicado: TWO ACES – Protocolo clínico sobre avaliação ambulatorial de pacientes com AIT

Como agir diante de um caso de AIT ou AVCI minor? Usar a escala ABCD2? Internar todos os casos?

Internar na ala? Na UTI? Como manejar? E qual é o risco de liberar um paciente destes para investigação ambulatorial?

A segurança de avaliar pacientes com AIT em ambiente extra-hospitalar, taxas de recorrência de pacientes tratados na sala de emergência, no hospital, ou na clínica de AIT… São várias dúvidas. E o estudo TWO ACES – Transient ischemic attack Work-up as Outpatient Assessment of Clinical Evaluation and Safety, publicado online no site do Stroke Journal, há dois dias, tenta responder algumas destas perguntas.

O pesquisador principal é Jean Marc Olivot, do centro de AVC da Stanford University, em Palo Alto, grupo  liderado pelo neurologista Gregory Albers, conhecido neurovascular americano.

O estudo concluiu que as taxas de AVC em até 90 dias foram de 0.6% (0.1%–3.5%) para os pacientes encaminhados à clínica de AIT, e de 1.5% (0.3%–8.0%) para os pacientes hospitalizados, com uma taxa global (dois grupos combinados) de 0.9% (0.3%–3.2%), resultados significativamente menores do que o observado nas triagens baseadas no ABCD2 escore (P=0.034 em 7 dias e P=0.001 em 90 dias).

Para acessar o abstract, clique aqui. Quem quiser o artigo original, pode me mandar um email pessoal, que envio aos interessados.

Amantadina é eficaz para Traumatismo Craniano Grave

Um estudo clínico apresentado no recente congresso anual da Academia America de Neurologia, em Honolulu, Havaí, apresentado por Katz e colaboradores, da Universidade de Boston, foi um dos principais highlights deste congresso neste ano de 2011.

O grupo de Boston avaliou de forma duplo-cega, prospectiva e randomizada, em 11 centros americanos, um total de 184 pacientes com Trauma Craniano Grave (TCE) grave, que estavam em estado vegetativo persistente ou em estado de consciência mínima, testando o efeito do uso de amantadina oral, droga antiviral comumente utilizada para tratar os sintomas motores na Doença de Parkinson.

Os pesquisadores observaram que o grupo tratado com a amantadina por 4 semanas tiveram uma melhora funcional mais evidente, para um nível de respostas em monossilábicos (sim / não na comunicação), ou tiveram progresso em uso de alguns objetos de forma funcional. A taxa de melhora foi bastante superior nos indivíduos tratados com amantadina em comparação com os pacientes que usaram placebo, e houve persistência dos ganhos funcionais, mesmo após a parada da droga, embora esta tenha declinado ao longo de algumas semanas após a interrupção do antiviral.

Ainda estou à “caça” de material específico sobre este interessante trabalho; assim que tiver algo mais “concreto”, atualizarei este post, deixando o link para vermos os números exatos e os resultados estatísticos. Deixo abaixo apenas a referência oficial do abstract.

Referência

Katz D, Giacino J, Whyte J, et al. The effectiveness of amantadine hydrochloride in improving level of consciousness and functional recovery in patients in the vegetative or minimally conscious state after traumatic brain injury. Abstracts of the 63rd Annual Meeting of the American Academy of Neurology; April 9-16, 2011; Honolulu, Hawaii. Abstract PL01.003.

Novas diretrizes para o diagnóstico de Doença de Alzheimer

Por Raul Valiente e Maramélia Miranda

A última diretriz sobre o diagnóstico da Doença de Alzheimer (DA) era de 1984. Mas esta semana, após 27 anos, foram publicados na revista Alzheimer & Dementia, um conjunto de artigos revisando estes critérios, que incluem três documentos: o primeiro contendo os critérios clínicos de demência por DA; o segundo comentando sobre o transtorno cognitivo leve (MCI – “mild cognitive impairment”), e um artigo sobre a propedêutica nos casos pré-clínicos de DA. Estes artigos foram escritos por neurologistas com expertise em demências do National Institute on Aging e Alzheimer’s Association, e este grupo de estudo foi apoiado pelo NIH (National Institute of Health). Nos artigos, descrevem, entre outras coisas, as novas tecnologias que surgiram ao longo dos últimos 27 anos, na investigação e nas definições destas condições clínicas.

Para acessar os documentos, clique aqui, na página da revista, onde você poderá baixar os PDFs na íntegra!

Boa leitura!

Estenoses Intracranianas: SAMMPRIS interrompido!

Depois dos resultados do CREST, favorecendo cada vez mais a endarterectomia em detrimento da angioplastia com stenting na doença aterosclerótica carotídea, agora é a vez de um outro tipo de embate, desta vez na doença aterosclerótica intracraniana: tratar clinicamente ou mandar para intervenção (ATC com stenting) os casos com estenoses intracranianas?

Pois é… O estudo SAMMPRIS (Stenting and Agressive Medical Management for Preventing Recurrent Stroke in Intracranial Stenosis) foi iniciado em 2008 para responder esta questão, e hoje saiu o alerta do NIH / NINDS, agência de fomento que financia este grande trial, informando que o recrutamento do SAMMPRIS nos atuais 50 centros ativos foi interrompido por questões de segurança.

Após a inclusão de 451 pacientes neste estudo, que começou em novembro de 2008, o comitê de segurança do NINDS achou por bem parar seu recrutamento devido às altas taxas de AVC e morte em 30 dias, no grupo tratado com stenting (14%), em relação ao grupo tratado clinicamente (5.8%).

Mais um balde de água fria para a Neurorradio Intervencionista… E mais uma evidência para ser aplicada na nossa prática clínica!

Para ver o release do NINDS, clique aqui.