Screening em familiares com aneurisma cerebral: Quando fazer?

Por Maramélia Miranda

Vejam que interessante: grupo de pesquisadores holandeses avaliaram os pacientes com HSA por ruptura de aneurisma cerebral, especificamente os indivíduos que tinham dois ou mais familiares de primeiro grau com este diagnóstico. O follow-up do estudo de coorte foi de 10 anos consecutivos (2003 a 2013). Os métodos de screening usados foram angioressonância ou angiotomografia (exames não invasivos). Os resultados do estudo foram publicados recentemente online ASAP pela Lancet Neurology.

Resultados

Bor e seus colegas de pesquisa encontraram algumas coisas já classicamente descritas na literatura a respeito deste tema: os fatores de risco mais relevantes encontrados na população com exames positivos no primeiro screening foram tabagismo (OR 2,7; 95% CI 1,2-5,9), história de aneurisma prévio (OR 3,9, CI 1,2-12,7) e história familiar de aneurisma cerebral (3,5, 1,6-8,1).

A frequência de diagnóstico de aneurismas cerebrais foi de 11% no primeiro screening (n=458, 95% CI 9-14), de 8% (CI 5-12) no segundo screening (n=261), 5% (CI 2-11) no terceiro screening (n=128) e novamente 5% (CI 1-14) no quarto screening (n=63).

História de aneurisma cerebral prévio foi o único fator de risco com significância estatística para o achado de aneurisma cerebral no screening de seguimento (HR 4·5, CI 1·1—18·7). Em jovens < 30 anos que foram investigados (n=129), aneurismas foram identificados em 5% (95% CI 2-10).

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Os autores concluem o seguinte::: Em indivíduos com história familiar de aneurisma cerebral, o follow-up prolongado (maior de 10 anos) é justificado, mesmo quando dois exames iniciais são normais. Para quem quiser ler o artigo todo, vejam o LINK abaixo. Há também um comentário – editorial, escrito por Andrew Molyneux.

O que vocês acham disso?

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LINK

Bor et al. Long-term, serial screening for intracranial aneurysms in individuals with a family history of aneurysmal subarachnoid haemorrhage: a cohort study. Lancet Neurology 2014.

Molyneux AJ. Is screening of relatives for cerebral aneurysms justified?

Trombólise no AVCi: Joinville ensina como fazer

Por Maramélia Miranda

Parabéns!!!!!!!

Colegas de Joinville, todos vocês, sem citar nominalmente nenhum, para não ser injusta e esquecer alguém… PARABÉNS A TODOS.

Vejam lá, colegas neuros, no artigo publicado na Cerebrovascular Diseases Extra (dezembro de 2013), que está FREE para acesso na Internet, como fazer Neurologia Vascular: organização, trabalho de equipe, registrar os casos, criar seus banco de dados, unir os times, manter a “chama” acesa a todo o tempo, e assim fazer o que há de melhor, dentro de todas as limitações que o sistema de saúde brasileiro tem, e ultrapassar todas estas barreiras para mostrar que podemos, sim, tratar os nossos pacientes como são tratados os casos de AVCi agudo em países mais desenvolvidos.

Apenas quero lembrar de uma coisa: Não estamos falando de São Paulo, Rio, Recife, grandes metrópoles com centros altamente tecnológicos, não estou falando de aparelhos de última geração, muito menos de ressonâncias magnéticas, estudos de perfusão, neuroimagem avançada, NADA DISSO!!!!! Basta ter um centro hospitalar com TC de crânio 24h, ter o trombolítico, ter o médico / neuro para indicar a trombólise, e a equipe para seguir os casos depois (médicos, fisios, TOs, fonos, enfermeiros, estatísticos).

O grupo catarinense prova, mais uma vez, que menos é mais, que o simples, para ser atingido, exige apenas a vontade das pessoas, o trabalho em equipe, o material humano disponível, e a disposição dos coordenadores em manter seu time sempre motivado, manter esta proatividade a longo prazo. “O rTpa é seguro, deve ser oferecido com equidade e todos temos uma curva de aprendizado”, comenta o Prof. Norberto Cabral, um dos autores do estudo populacional. 

Joinville, com cerca de 500-600.000 habitantes, com apenas 3 hospitais gerais e dois deles centros dedicados e com expertise em AVC, consegue trombolisar 6% de todos os seus casos de AVCi.

Incidência de trombólise endovenosa no AVCi, na cidade de Joiville, de 2005 a 2011. (Uso da imagem autorizada pelos autores)
Incidência de trombólise endovenosa no AVCi, na cidade de Joiville, de 2005 a 2011. (Uso da imagem autorizada pelos autores)

Mais que isso, as taxas de trombólise aumentaram de 1.4 em 2005, para 9.8 (7.3-12.9) por 100.000 habitantes em 2011 (p < 0.0001). 

Para os que ainda são céticos e medrosos em relação aos sangramentos, a série catarinense mostrou 6.4% (14/220) de hemorragia intracraniana sintomática. 

Boa leitura de Carnaval!!!!

Mais sobre Vitamina D e Esclerose Múltipla

Por Maramélia Miranda

Ainda há muito ceticismo na comunidade neurológica a respeito da relação da vitamina D e Esclerose Múltipla (EM). 

Ascherio e colaboradores publicaram em janeiro de 2014, na JAMA Neurology, os resultados de um estudo paralelo feito com os pacientes do estudo BENEFIT (Betaferon/Betaseron in Newly Emerging multiple sclerosis For Initial Treatment), trial que avaliou o tratamento precoce vs mais tardio com interferon beta-1b em síndrome clínica isolada.

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Desenho e Métodos do Estudo

Os pesquisadores pegaram os pacientes do BENEFIT, estudaram os níveis de 25-OH-vitamina D nesta população (amostras séricas em 6, 12 e 24 meses), e correlacionaram este status com a atividade da doença e prognóstico nos pacientes. Avaliaram prospectivamente os pacientes, usando desfechos de ressonância magnética (novas lesões, aumento de lesões no T2, cálculo do volume encefálico) e avaliação clínica (incapacidade medida pela escala EDSS e quantidade de surtos ao longo do tempo). O seguimento foi de 5 anos.

Resultados

Cada aumento de 20ng/dL nos níveis médios da vitamina D medidos nos primeiros 12 meses de follow-up correlacionou-se com menor taxa de novas lesões ativas (57% redução, P< 0.001),  menor taxa de surtos-recidiva da doença (57% redução, P= .03), menor aumento do volume das lesões nas sequências T2 da RM (25% redução, P<0.001), and 0.41% menor perda de volume cerebral pela RM (P = .07) – nos meses 12 a 60.

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Uma associação linear e inversa foi encontrada com os níveis de vitamina D até 12 meses e a atividade da EM ou sua progressão nos meses 24 a 60 (de 2 a 5 anos).

Valores de vitamina D > 20 ng/mL até 12 meses do diagnóstico foram preditores de menor incapacidade nos anos subsequentes do estudo (EDSS, -0.17; P = .004).

Conclusões

Resumo da ópera: níveis de vitamina D mais baixos no primeiro ano do diagnóstico de EM (Síndrome clínica isolada), em pacientes tratados com interferon beta-1b, foram fortes preditores de maior atividade e progressão da doença. 

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Há diversos estudos em andamento testando diferentes tratamentos e doses de vitamina D na EM – vejam AQUI – site ClinicalTrials.gov. No mapa abaixo, o número de trials neste tema nos diversos países do globo. São 12 estudos nos EUA e Canadá, 11 na Europa e mais 4 no Oriente Médio.

estudos EM e vitamina D

Na homepage do ClinicalTrials.gov, você poderá zapear os tratamentos que estão sendo testados, doses, etc… Vejam lá que os principais centros de tratamento de EM já estão estudando isso. Muitas emoções nos aguardam nos próximos meses… 

 LINKS

Ascherio et al. Vitamin D as an Early Predictor of Multiple Sclerosis Activity and Progression. JAMA Neurology 2014.

Leia o que já publicamos sobre este assunto aqui no Blog…

Vitamina D e Esclerose Múltipla: Novidades do ECTRIMS 2013

Vitamina D na Esclerose Múltipla: A verdade

Vitamina D e Esclerose Múltipla: Mais evidências desta interação

AVCi ou AIT em jovens no século 21

Por Maramélia Miranda

Esqueçam aquela velha premissa de que um AVCi em paciente jovem acaba quase sempre como causa criptogênica ou indeterminada. Isso era a regra antigamente, foi assim como aprendemos há uns 10-20 anos atrás. Coisa do passado!!! 

A moderna Neurologia contempla a necessidade de uma investigação neurovascular extensa e detalhada de um caso de AVCi ou AIT nos jovens. Costumamos falar sempre nos “rounds” e nas visitas clínicas à beira-leito: nos jovens, sempre considerar as duas principais causas, FOP e dissecções, e pensar, de caso a caso, em outras etiologias. Obviamente, a prática no serviço público nem sempre nos deixa fazer o que realmente queremos. Faltam algumas ferramentas diagnósticas, sobretudo neuroimagem mais avançada ou laboratório mais detalhado. Na prática privada, onde se pode fazer a maior parte dos exames, é primordial insistir na busca da causa do evento!

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Na JAMA Neurology do início de 2013, um artigo do grupo da Neurologia Vascular do MGH (Harvard) publicou uma análise do banco de dados do serviço quanto à ocorrência de AVCi em jovens.

Ji et al. Ischemic Stroke and Transient Ischemic Attack in Young Adults: Risk Factors, Diagnostic Yield, Neuroimaging, and Thrombolysis. JAMA Neurology 2013.

Ji e colaboradores, tendo como autor senior o Dr. Aneesh Singhal, descrevem a série de 215 casos de AVCi ou AIT em pacientes com 18 a 45 anos, detalhando a investigação realizada (quais exames foram ou não foram feitos), achados clínicos, cardiológicos, laboratoriais, neurorradiológicos e descrição de etiologias definidas e tratamentos realizados. Alguns pontos-chave do artigo para destaque:

>> FOP (35%) e dissecções (13,5%), campeões de etiologias;

>> Outras causas bem menos frequentes (cada uma < 5% do total de casos); destaque para trombofilias (2,8%), miocardiopatia (4,7%), valvulopatias (3,3%), vasoconstricção reversível (5,1%), Moya-Moya (3,3%)…

>> Subclassificação dos casos com FOPs em FOP isolado, FOP-plus (FOP + condição predisponente para trombose/embolia paradoxal) e FOP/ASA (aneurisma de septo associado);

>> 38% dos jovens estudados com dislipidemia, 34% tabagistas; 

>> predição diagnóstica (porcentagem de exames positivos) muito baixa para exames de Holter (1%), painel de vasculites (5%) e exames toxicológicos (<5%); para pesquisa de trombofilias (16%) um pouco maior;

>> exames como arteriografia, imagem (CT ou RM) e ecocardiograma tiveram grande valor diagnóstico, constatando anormalidades em 64, 90 e 51% dos casos, respectivamente;

>> Apenas 9% dos jovens com AVC terminam a investigação como criptogênicos… 🙂 conseguem a etiologia em 91% dos casos jovens.

O artigo está livre para acesso no site da revista, e vale muito a leitura para saber o que este importante centro faz de prático, com seus casos de jovens com AVC. LINK EM AZUL ACIMA OU AQUI. 

MGH

MGH: 91% de acerto diagnóstico nos AVCs em jovens.

Demências: Nem sempre é fácil fechar um diagnóstico

Por Maramélia Miranda

Homem, 64 anos, previamente ativo e independente, sem nenhum antecedente médico (exceto hiperplasia benigna da próstata), começa a ter alterações cognitivas e de comportamento lentamente progressivas, no período de um ano, mas há uma piora rápida nos últimos 4-6 meses, junto com o surgimento de uma incontinência urinária; uma avaliação neurológica mostrou MME (minimental) de 19 pontos (grau de instrução do paciente – superior completo). Uma avaliação neuropsicológica detalhada confirma: ele está nitidamente com um quadro demencial (memória recente, de trabalho / executiva / crítica / orientação temporal e espacial / comportamento). Há uma leve alteração de marcha, descrita pela família como um “andar mais lento”. A RM de cabeça mostra as imagens abaixo:

FLAIR2

coronal T2

T1 temporais

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Abreviaturas: DVP, derivação ventrículo-peritoneal; DA, doença de Alzheimer; HPN, hidrocefalia de pressão normal; MME, mini-mental exam; RM, ressonância magnética.