Por Maramélia Miranda
Volto ao assunto. Intrigante. Uma das causas de demências, não tão rara assim. Uma causa potencialmente tratável? Mais ou menos.
A tríade clássica – os sintomas de demência, alteração de marcha e esfincteriana, vindo em dupla ou na tríade completa, soa algo tão elementar, que, à primeira vista, qualquer residente ou interno do 6.o ano de medicina pode suspeitar. Mas, na vida real, cada vez mais as evidências científicas apontam para um diagnóstico mais difícil.
Neuroimagem e Liquor: O que sabemos hoje
Tomo e/ou ressonância com hidrocefalia desproporcional ao grau de atrofia cortical observado. Índice de Evans maior ou igual a 0,3, cornos anteriores dos ventrículos laterais mais arredondados, transudação ependimária, com hiperintensidades periventriculares no FLAIR, flow void no aqueduto cerebral, alteração do fluxo liquórico em sequências específicas de ressonância magnética, são alguns dos achados (boa parte deles, inespecíficos) que podem sugerir a doença.
A melhora clínica na retirada de grandes quantidades (30-50ml) de LCR – o clássico Tap-Test (TT), com avaliações de marcha e neuropsicológicas antes e após o exame, se antes era um indicador para a indicação da cirurgia, predizendo uma melhor resposta aos pacientes operados, agora é um teste sendo posto à prova, bombardeado por alguns estudos negativos em demonstrar esta associação. Ou seja, o Tap-Test está “saindo de moda”??!!! Talvez… Talvez realmente não sirva de nada (como me disseram estes dias dois colegas neuros, um que faz LCR, outro que faz demências).
Um recente estudo multicêntrico europeu, publicado por Wikkels e col., analisou prospectivamente 115 pacientes com TT e resistência de saída do LCR (Rout). Encontraram que somente o ganho no teste de marcha do TT teve correlação com a melhora clínica 12 meses após a derivação (p=0.02). A medida do Rout > 12 teve uma acurácia de 65%, e o TT, 53%, mas a combinação destes dois testes não melhorou o poder preditor sobre a resposta à derivação. Estes achados são similares aos de Marmarou e col., que observaram a melhora da marcha como o melhor preditor de resposta clínica pós a colocação do shunt.
Perspectivas
Liquor. A análise do LCR para o estudo de biomarcadores das demências, com as dosagens das proteínas tau total, fosfo-tau e beta-amilóide (peptídeo a-beta42), pode auxiliar o diagnóstico e a decisão cirúrgica. Infelizmente, estes exames estão disponíveis em poucos laboratórios privados de análise de líquor, tem o custo bastante elevado ainda (além de não ter cobertura pelos habituais planos de saúde). Laboratórios de excelência costumam fazer estudos de validação local para achar os valores de referência ideais, e um extremo cuidado na manipulação e transporte do material liquórico coletado é primordial para uma confiável análise e interpretação dos dados. Alguns autores publicaram estudos sem observar grandes diferenças entre pacientes HPN e não HPN, mas a diferenciação com as causas degenerativas podem ajudar… O Tap-Test está cada vez mais posto de lado.
Válvulas de DVP. As válvulas denominadas gravitacionais, em relação às tradicionais de pressão programável não-gravitacional, têm a vantagem de adequar a drenagem liquórica dos cateteres de derivação conforme a posição dos pacientes, em supino ou sentado / em pé, e já foram comparadas em estudos prospectivos de pacientes com HPN. Lemcke e col. concluiram que houve uma menor incidência de complicações, como hematomas subdurais, higromas e hiperdrenagem liquórica, com as válvulas gravitacionais, em comparação com as válvulas tradicionais (não-gravitacionais). Outros grupos estão recentemente publicando e replicando estes achados. Problem: custo mais alto.
Doença mista. A mesma história: assim como na demência por doença de Alzheimer (DA), pode haver comorbidade vascular associada, ou seja, demência de etiologia vascular + HPN? Demência por DA + HPN? Muitas perguntas, sem respostas, temas quentes pra quem quiser estudar este interessantíssimo tema. Qual é a frequência de resposta dos sintomas cognitivos? Faltam mais estudos avaliando seguimento mais longos. Qual a história natural destes doentes derivados em 4-6-8-10 anos de shunt? Melhoram a marcha? E a cognição? Um grupo da Finlândia já publicou algo a respeito AQUI. Vejam que impressionante. Não vou escrever aqui… Vão lá e leiam.
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