A roda da vida. A roda da ciência…

Por Maramélia Miranda

Ontem, no congresso europeu de Cardiologia (ESC 2012), foram apresentados os resultados do trial IABP SHOCK II, trabalho prospectivo conduzido para avaliar o impacto clínico do uso de balão intra-aórtico em IAM com choque cardiogênico… E vejam só: resultados supreendentemente semelhantes nos grupos tratados com e sem o BIAo!!! Mortalidade em 30 dias de 39,7 vs 41,3% para os pacientes tratados com e sem balão… Desfechos secundários todos semelhantes… O trabalho foi publicado online na NEJM, com editorial (óbvio!), discutindo seus resultados e a mudança que certamente fará no manejo dos casos de IAM…

A pergunta que vem à tona: o que fazer com anos e anos de prática clínica usando BIAo nos casos de IAM com choque cardiogênico…!!!!??? É certo que as diretrizes atuais apontavam esta prática com base em estudos de registro, nenhum trial prospectivo, randomizado e controlado…

Nestas horas, fico me perguntando: será a ciência como a moda? Vai calça pantalona, vem calça pantalona; vai cores neon, volta o reinado neon… As tendências vem e vão num ciclo, como a roda da vida…? Há alguns meses atrás, ressuscitaram o ácido tranexâmico endovenoso na terapia de fase aguda de hemorragia meníngea, em dois guidelines sobre este tema, e “jogaram fora” a fenitoína para a prevenção de crises convulsivas nestes pacientes. Até hoje os neurocirurgiões me xingam quando digo que a diretriz recente não recomenda o uso de fenitoína em AVCH e HSA, e eles querem prescrever o Hidantal de qualquer jeito!

Até 4 anos atrás, se pensava que endarterectomia era pior em pacientes  “de alto risco” (idosos, múltiplos fatores de risco cardiovasculares, coronariopatas, resultados do SAPHIRE, etc…), e este grupo de pacientes ganhavam a preferência por revascularização com angioplastia e stents carotídeos. Veio o CREST, e toda esta ideia lógica e bem razoável das nossas experiências,  dos estudos de registros e séries de casos publicados até então, foi tudo por água abaixo, ressuscitando novamente as endarterectomias… Quem ia imaginar, antes da publicação do CREST, que o paciente mais idoso iria melhor com endarterectomia do que com o procedimento endovascular??? Foi um resultado totalmente surpreendente!

Com o forame oval patente (FOP), a mesma coisa: neurologistas e cardiologistas americanos cansaram de indicar, desde o começo da década de 2000, o fechamento percutâneo de FOP para os todos os casos de AVCi criptogênico com FOP diagnosticado… Até vir a evidência de que o resultado em relação às recorrências com o tratamento clínico é semelhante ao percutâneo. Doença aterosclerótica intracraniana? Outra supresa: o SAMPPRIS respondeu a questão do uso dos stents intracranianos com a sua própria interrupção de recrutamento, num trial financiado pelo NIH… (há quem critique o estudo, o stent utilizado, etc, etc, etc…). O fato é que a única evidência que temos é de que o tratamento médico, até o momento, demonstrou ser superior em doença atero intracraniana.

Magnésio na HSA e vasoespasmo: mais uma das nossas neuro-decepções dos últimos anos… Nada de diferença.

Ou seja:

1 – A ciência é uma roda, uma gangorra, uma montanha russa, assim como as nossas vidas: ela gira, vai, volta, sobe e desce, e estamos aqui tentando fazer com que caminhemos sempre ao lado, buscando a melhor prática médica possível.

2 – Nenhuma verdade é para sempre.

3 – Sempre duvide de opiniões e impressões clínicas. Matemática e estatística, na maioria das vezes (se não for manipulada), funciona.

4 – Estou ficando velha. Tudo o que contei acima, vivenciei nestes últimos 10 anos… (fora o que não lembrei de mencionar).


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