NeuroClínica x Endovascular: 2 a 0 em Atero Intracraniana

O placar está se alargando… Agora está em 2 x 0.

No último mês foi publicado na JAMA Neurology mais um trial que resolveu testar a terapia endovascular no tratamento de doença aterosclerótica intracraniana, estudo que transcorreu mais ou menos na mesma época do conhecido estudo SAMMPRIS.

VISSIT – Intracranial Stent Study for Ischemic Therapy, avaliou o stent denominado PHAROS, da Codman, testando as terapias nos mesmos moldes do SAMMPRIS: terapia médica sozinha (incluindo dupla antiagregação por 3 meses e aspirina por 12 meses), versus terapia médica + angioplastia com stenting. Analisou 112 pacientes de 2008 a 2013. Fez visitas de follow-up até 12 meses da randomização. E incluiu apenas pacientes com estenoses > 70%.

Primeira coisa boa do estudo: tipo do stent. Diferentemente do Wingspan (testado no SAMMPRIS), o PHAROS é (ou era…) um stent já montado com balão, de forma que o seu uso deve ser feito em uma passagem simples na estenose, minimizando o risco de complicações periprocedimento, como perfuração, embolia distal, etc…

Objeto de muitas críticas de neurointervencionistas, o stent do estudo SAMMPRIS, o Wingspan, era literalmente execrado pelos críticos deste estudo (neste stent, era necessário passar passar um balão, e depois balonar a estenose, depois retirar o fio-guia e passar novamente o stent, para assim destacá-lo).

Ou seja, resumindo:

— SAMMPRIS – Self-expandable stent – Wingspan Stent

— VISSIT – Ballon-expandable stent (ballon-mounted stent) – PHAROS Vissete Stent

Problema: 27 centros.

Vamos fazer continhas de matemática básica? Hummm, 112 dividido por 27 = na melhor das hipóteses, média de 4,14 pacientes por centro. Pensando de forma real, provavelmente teve centros com um, dois, 3 casos…? Será que isso importou?!

Vamos lá. Continuemos.

O estudo foi interrompido pelo patrocinador (Codman), quando já haviam 59 casos randomizados no grupo ativo e 53 casos no tratamento clínico, depois de publicados os resultados negativos do SAMMPRIS, que saiu no segundo semestre de 2011.

Tá certo. A companhia tinha em mãos os seus resultados horríveis (n pequeno), e mais os resultados negativos do SAMMPRIS.

Justificada ação. Não se joga dinheiro assim no lixo, à toa.

Resultados

Olhem os resultados do VISSIT:

– Composição de AVC, morte ou hemorragia em 30 dias, no território da artéria causadora do evento índice (ou do procedimento de stent)::: no grupo do stent – 14/58; 24.1% [95% CI, 13.9%-37.2%]; no grupo do tratamento médico – 5/53; 9.4% [95% CI, 3.1%-20.7%] — P = .05

– AVCH em 30 dias – no grupo de stent – 5/58; 8.6% [95% CI, 2.9%-19.0%]; no grupo clínico – nenhum caso (95% CI, 0%-5.5%), P = .06.

– Desfecho primário do estudo –> AVC ou AIT “hard” (não entendi bem este hard deles…:/ )  em 12 meses – no grupo do stent – 21/58; 36.2% [95% CI, 24.0-49.9]; no grupo clínico – 8/53; 15.1% [95% CI, 6.7-27.6], P = .02.

– Piora da escala modificada de Rankin – ocorreu mais no grupo submetido ao stent – 14/58; 24.1% [95% CI, 13.9%-37.2%]; no grupo clínico – 6/53; 11.3% [95% CI, 4.3%-23.0%], com P = .09.

Conclusões

O editorial do ban-ban-ban da aterosclerose intracraniana, Marc Chimowitz (PI do WASID e SAMMPRIS) é bastante esclarecedor.

Vejamos o texto conclusivo do abstract do VISSIT – extraído da JAMA Neurology:

“Among patients with symptomatic intracranial arterial stenosis, the use of a balloon-expandable stent compared with medical therapy resulted in an increased 12-month risk of added stroke or TIA in the same territory, and increased 30-day risk of any stroke or TIA. These findings do not support the use of a balloon-expandable stent for patients with symptomatic intracranial arterial stenosis.”

Minha humilde leitura: Ora! Uma tragédia de resultados para o tratamento com stents…

Pra alguma coisa, pelo menos, nós – pobres, humildes e mortais neuroclínicos, servimos nessa vida. 🙂

Tratar clinicamente os pacientes com atero intracraniana:

– Dupla antiagregação na fase aguda;

– Estatinas em terapia de alta intensidade;

– Controle pressórico / lipídico / glicêmico a longo prazo;

– Mandar os pacientes sairem do sofá, fazerem atividade física, parar de fumar, etc etc etc…

E por favor: Mandar stentar estenoses intracranianas?! Nãaaaooooo!!!!!

Please! Apenas casos muito muito selecionados podem, em algum momento, ter esta indicação.

Vejam abaixo um exemplinho pessoal (para ampliar, clicar na figura): Esta paciente eu acompanho há 6 anos. Está ótima. Não teve recorrência. E a sapiência popular já nos diz: “Em time que se ganha, não se mexe”. Já a Medicina baseada em evidências diz que devemos realmente acreditar na matemática e na estatísticas dos estudos controlados bem feitos, principalmente quando são fomentados por agências do governo…

atero-intra

PS. Alguém tem assinatura ou acesso full à JAMA Neurology? Se tiverem, poderiam mandar pra a tia aqui o artigo e editorial na íntegra? Ficarei muito grata… 🙂

PS2. Nossa fellow querida Leticia Duarte conseguiu os artigos na íntegra. Danke schön, Leticia!!!!!! Como não posso publicar por questões de copyright. Quem quiser os papers – me escrevam que eu mando!!!!

 

LINKS

Zaidat et al. Effect of a Balloon-Expandable Intracranial Stent vs Medical Therapy on Risk of Stroke in Patients With Symptomatic Intracranial StenosisThe VISSIT Randomized Clinical Trial. JAMA Neurology 2015.

Chimowitz & Derdeyn. Endovascular Therapy for Atherosclerotic Intracranial Arterial StenosisBack to the Drawing Board. Editorial. JAMA Neurology 2015.

SAMMPRIS e WASID – vejam hiperlinks no texto: artigos na íntegra dos dois estudos.


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