RESCUE-icp publicado na NEJM

Hipertensão intracraniana refratária em casos de trauma craniano grave. Esta dica de trial publicado veio do nosso colega Dr. George Passos, residente da neurocirurgia da Santa Casa de Ribeirão Preto, neurocirurgião diferenciado, sempre ligadíssimo nos papers e estudos clínicos mais quentes.

Primeira observação minha: A NEJM quer acabar com a Neurotraumatologia mundial. Só pode ser…

DECRA negativo. BEST-TRIP negativo.

Agora, RESCUE-icp negativo. Tá certo. A gente já sabia, os dados já tinham sido apresentados em congressos. Mas tinha que ser de novo na NEJM???!!!! Jesus…

A neurocirurgia tem que benzer essa revista. Por Deus!!!!!

O estudo RESCUE-icp avaliou um grande número de pacientes com TCE grave, que desenvolveram hipertensão intracraniana e não responderam à terapia clínica inicial universalmente preconizada – cabeceira elevada, normoventilação, sedação e analgesia (com ou sem paralisia muscular) e monitorização da PIC com manejo da PPC e PIC com ventriculostomia e osmóticos, incluindo também terapia com hipotermia.O artigo detalha estes tratamentos e os estadios no passo a passo do manejo de hipertensão intracraniana.

A leitura do paper é muito legal. Já vale super a pena pela aula de como tratar hipertensão intracraniana. Tem uma figura muito legal do algoritmo usado no trial. E a terapia médica no grupo controle envolvia o uso de barbiturados apenas em ÚLTIMA ANÁLISE…

Atenção. Letrinhas garrafais de “recadinho” para os amigos neurocirurgiões que ADORAM entrar com tionembutal no minuto zero de tratamento de HIC…

Resultados.

O trial estudou pacientes de 10 a 65 anos com TCE grave, TC crânio anormal e monitor de PIC locada, que evoluiam com PIC > 25mmHhg refratária entre 1 a no máximo 12 horas. Foram randomizados 408 pacientes em 52 centros, sendo 71% dos casos na Grã-Bretanha.
Nos desfechos primário e secundários medidos, cuja variável principal foi a escala funcional Glasgow Outcome Scale (GOS) extendida, a terapia ativa – que consistia em craniectomia descompressiva, podendo ser unilateral (hemicraniectomia) ou bifrontal, resultou em expressiva redução da mortalidade, mas com desvio dos pacientes que não morreram para estágios da e-GOS entre incapacidades mais severas (estado vegetativo ou incapacidades piores – veja tabela abaixo). No final da história, bons desfechos foram similares nos dois grupos de tratamento.


Conclusão

Depois do fiasco do estudo DECRA — que, detalhe, usou apenas craniectomias bifrontais, esse trial seria uma esperancinha no fim do túnel para a craniectomia descompressiva, e acabou morrendo na praia também… Outro detalhe importante é que o cirurgião poderia escolher entre hemicraniectomia ou craniectomia bifrontal, e esta última modalidade foi usada em 63% dos casos.

Falem pra mim!!!!! O estudo DECRA já tinha mostrado que isso não dava certo, e a galera resolve insistir na coisa????

E outra crítica que pode ter melado o estudo foi a possibilidade de poder se fazer craniectomia em fases finais no grupo de tratamento clínico, e isso ocorreu em 37% deste grupo!!!!

Conclusão básica do Abstract do RESCUE-icp:

“At 6 months, decompressive craniectomy in patients with traumatic brain injury and refractory intracranial hypertension resulted in lower mortality and higher rates of vegetative state, lower severe disability, and upper severe disability than medical care. The rates of moderate disability and good recovery were similar in the two groups. “

Ou, traduzindo: Deixa de morrer, e estes que não morrem ficam em estado vegetativo ou altamente dependentes. É mole?!?!?! Não sei se sento e choro, ou se comemoro.
Comemoro porque este campo continua aberto a novos estudos. Realmente, ainda em 2016, acreditem, ninguém sabe bem o que fazer com estes doentes…

LINKS

Hutchinson et al. Trial of Decompressive Craniectomy for Traumatic Intracranial Hypertension. NEJM 2016.

Shutter & Timmons. Intracranial Pressure Rescued by Decompressive Surgery after Traumatic Brain Injury. NEJM 2016.” . Editorial.

Estudo ARUBA: Não tratar MAVs assintomáticas com intervenções

Por Maramélia Miranda

Os dados de maior follow-up do estudo ARUBA – A Randomized Trial of Unruptured Brain Arteriovenous Malformations, único estudo clínico prospectivo controlado até o momento a se estudar qual o melhor tratamento para MAVs assintomáticas, foram apresentados no ISC 2016, em Los Angeles, esta semana.

Estes dados merecem um destaque pois, semelhante à sua primeira publicação (2014, Lancet), os pesquisadores confirmaram que realmente, intervir em casos assintomáticos aumenta em muito o risco de AVC, morte e novos déficits neurológicos.

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Os slides da apresentação estão disponíveis para quem quiser ver (abaixo).

E VEJAM.

São números realmente convincentes. A controvérsia com a Neurocirurgia e Neurorradio Intervencionista continuará… A redução de risco de AVC com o tratamento médico é de impressionantes 78%… !!!!!!

Number Needed do HARM – 5 !!!!!!

Aumento de risco de morte e AVC – 4,5 x mais !!! Com grande predomínio de eventos de AVC.

Aumento de risco de novos déficits funcionais – 2,5 x mais !!!

Comentários

O ARUBA foi um estudo que teve financiamento público, do NINDS, agência de fomento de pesquisas americana. Não há, a meu ver, conflitos de interesse por nenhum tipo de tratamento que envolva procedimentos, próteses, materiais ou reservas de mercado de um ou outro especialista. O resultado do estudo, até o momento, foi a favor de tratamento clínico (expectante). Ou seja, é melhor não fazer nada com estes casos, e apenas acompanhar…

Vários centros de neurocirurgia vascular demonstraram e ainda alardeiam por aí severas críticas ao ARUBA, mas a verdade é uma só. Esta é a evidência científica mais forte, maus robusta, sobre qual é a terapia de primeira linha a ser escolhida, de uma forma geral, inicial, para as MAVs assintomáticas (que nunca sangraram)… Respeitadas particularidades de cada caso.

A partir destes novos dados, fica cada vez mais claro que em MAVs assintomáticas, a recomendação é seguimento clínico sem intervenções. E intervenções, sejam elas embolizar, radiocirurgia ou neurocirurgias, deverão ser feitas, a princípio, dentro de protocolos de pesquisa. Assim funciona a Medicina Baseada em Evidências. Não é achismo, anedotismo ou “eu faço, eu garanto, eu assumo”.

É buscar uma estimativa de melhor terapia médica, com base em estudos clínicos e estatística, para tentar aproximar o quanto podemos uma ciência que não é exata, a Medicina, em dados um pouco mais precisos…

Resta aos neurocirurgiões desenharem, fazerem, executarem, e logo!!! – um estudo clínico prospectivo, testando a hipótese que vários expertises em Neurocirurgia Vascular, em MAVs, conseguiram demonstrar / replicar, em séries de registro e estudos retrospectivos: de que as MAVs assintomáticas dos tipos I e II devem ser tratadas exclusivamente com Neurocirurgia.

Que venha o estudo BARBADOS!!!

LINKS

Mohr et al. Medical management with or without interventional therapy for unruptured brain arteriovenous malformations (ARUBA): a multicentre, non-blinded, randomised trial. Lancet 2014. Estudo publicado em 2014.

Mohr JP et al. Viewpoints on the ARUBA Trial. AJNR 2014. Opinião e discussão dos autores do estudo sobre o mesmo e sobre as críticas dos neurocirurgiões.

Hanjani S. ARUBA Results Are Not Applicable to All Patients With Arteriovenous Malformation. Stroke 2014. 

Mohr JP. Results of ARUBA Are Applicable to Most Patients With Nonruptured Arteriovenous Malformations. Stroke 2014. 

Molina & Seilin. Unruptured Brain Arteriovenous Malformations: Keep Calm or Dance in a Minefield. Stroke 2014.

Dados do ARUBA trial em 2016. SLIDES AQUI. Resumo dos dados novos do estudo – AQUI.

 

Tags: estudo ARUBA, ARUBA 2016, ARUBA trial, MAV, malformação arteriovenosa, estudo clínico, neurocirurgia, tratamento, malformação arteriovenosa, tratamento cirúrgico, embolização, radiocirurgia, neurointervenção, MAV incidental, assintomático.

CLEAR-3: Trombólise intraventricular pode auxiliar nos hemoventrículos

Um post exclusivamente para este trial, tão aguardado por anos e anos, é bem merecido.

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O CLEAR-III avaliou o uso de rTPA em doses baixas, administrado dentro do ventrículo, por meio de derivação venticular externa (DVE), em pacientes com AVCh com pequeno componente parenquimatoso e/ou hemoventrículo associado, ou apenas em casos de hemoventrículo puro.

E foi negativo. 🙁

Negativo para o desfecho primário, que era status funcional pela escala modificada de Rankin.

Mas vejam só, quando se avalia a mortalidade, um desfecho secundário, houve um decréscimo de 10% desta variável em relação ao grupo placebo. E quando se avaliou subgrupos específicos, os pacientes com maior quantidade de sangue intraventricular foram os que mais se beneficiaram da terapia trombolítica.

O estudo de fase 3 foi apresentado pelo Dr. Daniel Hanley, ontem em Los Angeles.

Hanley DF et al. Clot Lysis: Evaluating Accelerated Resolution of Intraventricular Hemorrhage (CLEAR III) Results. ISC 2016.

Cavernomas: Como tratar?

A metanálise recentemente publicada na Lancet Neurology avaliou 1620 pacientes em séries retrospectivas previamente publicadas, e a evolução dos pacientes estudados. Analisando as 7 séries de pacientes, houve um risco de hemorragia intracraniana no follow-up de 5 anos de:::

— 3,8% em casos com cavernomas extra-tronco cerebral sem apresentação inicial de hemorragia ou déficit neurológico;

— 8% de risco nos casos de cavernomas de tronco com a mesma apresentação (sem hematomas ou déficits);

— 18,4% de risco de hemorragia em casos extra-tronco que haviam sangrado antes, ou apresentado sinal focal;

— 30,8% de risco de sangramento em 5 anos, nos casos de tronco com déficit ou sangramento prévios.

Ou seja, vai piorando — nesta ordem… Resumindo a ópera, a localização, e modo de apresentação iniciais, são fatores independentes relacionados ao prognóstico de sangramento intracerebral nos pacientes com cavernomas.

O artigo está free no site da Lancet Neurology. O editorial também…

Bem interessante. Para nos ajudar no manejo dos casos sintomáticos e assintomáticos.

LINKS

Horne et al. Clinical course of untreated cerebral cavernous malformations: a meta-analysis of individual patient data. Lancet Neurology 2016.

Algra & Rinkel. Prognosis of cerebral cavernomas: on to treatment decisions. Lancet Neurology 2016. Editorial.

EuroTherm3235: Hipotermia foi ruim no TCE grave

Na verdade, hipotermia com alvos de temperatura entre 32-35 graus foi pior do que não fazê-la. O estudo foi terminado pelas questões de segurança…

Na escala de outcomes de Glasgow extendida, um dos desfechos medidos do estudo, o desfecho favorável (GOS-E entre 5-8) ocorreu em 26% do grupo com hipotermia, e 37% nos controles (P=0.03)…

O artigo e seu editorial estão com acesso livre na homepage da NEJM.

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LINKS

Andrews et al. Hypothermia for Intracranial Hypertension after Traumatic Brain Injury. NEJM 2015.

Robertson & Ropper. Getting Warmer on Critical Care for Head Injury. NEJM 2015. Editorial sobre os resultados do EuroTherm3235.

Aneurismas intracranianos não rotos: Mais um escore publicado

Saiu hoje na Neurology. Acesso livre, PDF aberto. Comecei a ler e ficar preocupada com minha burrice.

Que-escore-é-este?!

Li, reli, trili, tetra-li.

E não entendi (quase) nada. Parece ser um escore feito por um consenso de experts, escala que contém duas colunas, 49 (sim, 49!) variáveis, números à direita, esquerda, e um número final… A favor ou contra o tratamento do aneurisma cerebral.

Bem, escore é bom, eu gosto, confesso, nos ajuda em algumas doenças, ajuda em pesquisas, em seguimento clínico, mas um bom escore tem que ser mais, digamos, “simples”… Senão não vai pegar.

Sabem a teoria do Baby Steps? Passinhos de bebê? Em tecnologia? Isso também vale pra estas coisas. Que o diga a velha e boa escala de coma de Glasgow, uma das mais difundidas e, salvo engano, a mais aplicada em Neurologia no mundo.

Curiosos?

VEJAM O ESCORE AQUI. 

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Jesus Christ!!!! Que escore é esse?!

 

LINK

Etminan et al. The unruptured intracranial aneurysm treatment score A multidisciplinary consensus. Neurology 2015.

Neuro-Notícia do dia: “Paciente canta e toca violão durante cirurgia no cérebro”

Pára tudo.

Essa eu vi hoje, em várias homepages das principais do país. Foi notícia em tudo quanto foi lugar.

Eu, curiosa, fui atrás… E confesso que fiquei “incomodada”…

Como assim? Então pediram para o paciente cantar durante a retirada de um tumor cerebral presumivelmente no hemisfério esquerdo (pela posição do paciente na foto e vídeos postados)…? Para verificar se não seria atingida a área da fala (linguagem)?

Caros neuro-nautas…: Tá certo isso?! Ou tem algum possível furo nesta conduta dos colegas catarinenses?

Leiam abaixo. Vários papers com acesso livre (artigo completo).

Interessante para sabermos que uma parcela de pacientes afásicos motores podem, sim, cantar perfeitamente. Essa é, inclusive, uma estratégia realizada em terapias de reabilitação de afásicos.

Então a pergunta que não quer calar é: Pode-se fazer um mapeamento cerebral intraoperatório durante uma cirurgia do tipo “awake-neurosurgery” pedindo-se para o paciente cantar?

Divirtam-se. Muitos papers sobre o tema.

LINKS

Akanuma et al. Singing can improve speech function in aphasics associated with intact right basal ganglia and preserve right temporal glucose metabolism: Implications for singing therapy indication. Int J Neurosci 2015. 

Callan et al. Song and speech: brain regions involved with perception and covert production. Neuroimage 2006. 

Hymers et al. Neural mechanisms underlying song and speech perception can be differentiated using an illusory percept. Neuroimage 2015.

Stahl et al. How to engage the right brain hemisphere in aphasics without even singing: evidence for two paths of speech recovery. Front Hum Neurosc 2013.

Kil-Byung et al. The Therapeutic Effect of Neurologic Music Therapy and Speech Language Therapy in Post-Stroke Aphasic Patients. Ann Rehab Med 2013.

VASOGRADE: Vai ou não vai ter DCI?????

Atenção caros internautas-neuros.

Vasoespasmo é uma coisa.

Vasoespasmo sintomático é outra.

Isquemia cerebral tardia (DCI – delayed cerebral ischemia), ainda outra. Ops!!!!! Você não sabe o que é isquemia cerebral tardia ?!?! Pára tudo e aperta o botão Rewind já!!!!!

Os termos estão imbricados na “doença” vasoespasmo / hemorragia subaracnoidea, coisa que ainda não sabemos muito bem, de onde vem, nem porque se manifesta apenas em alguns, em outros não, como fica tão grave em alguns, em outros não…

Ou seja, como bem diz um neuro dos “velhos”: Entre as grandes perguntas da neurologia, algumas delas são: o que é vasoespasmo?!? como evitar, como prevenir, como tratar vasoespasmo?!??!

Quem quiser fazer qualquer tese, pode estudar isso, que consegue publicações em várias revistas. Muitas coisas ainda para descobrir.

E para tentar responder a perguntinha do título deste post, vários autores já publicaram tentativas de predizer se um paciente vai ou não ter DCI…

Publicado online first na Stroke deste mês, artigo fresquinho saído do forno, sobre o uso da escala VASOGRADE, validada numa coorte de pacientes com HSA (de dois estudos clínicos fase II e uma séria canadense). Atenção: autor brasileiríssimo, Airton Leonardo Manoel, que agora está no Hospital Albert Einstein. O mesmo das revisões de HSA que postamos aqui algumas semanas atrás.

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Vale a pena conferir.

LINK

de Oliveira Manoel et al. The VASOGRADE. A Simple Grading Scale for Prediction of Delayed Cerebral Ischemia After Subarachnoid Hemorrhage. Stroke 2015.