Apixaban foi igual a warfarina em valvulopatas. Ah?!

Isso mesmo.

Saiu na Circulation, online first, na semana passada. Congrats!!!! ao autor principal, brasileiro no pedaço, nosso colega cardio Dr. Álvaro Avezum, do Dante Pazzanezze.

Estudo “post-hoc” do grupo de pacientes do ARISTOTLE. Bem interessante.

Recuperando do nosso HD…

Relembrando aos neuro-nautas já com alguma quantidade de amilóide no cérebro: ARISTOTLE, estudo que mostrou a superioridade e maior segurança do novo anticoagulante Apixaban na prevenção de AVC e embolia sistêmica em FA não-valvular. Trial com mais de 18 mil pacientes, excluiu casos de FA devido a valvulopatia severa. Financiado pela indústria.

Vejam só…

Do grupo de pacientes do trial com a suposta FA “não valvular”, a bagatela de 26,4% (Ohhhhh!!!!!!) tinham valvulopatia ou cirurgia valvar prévia… (os autores falam que no estudo eles “excluiram apenas doentes com estenose mitral severa ou pacientes com próteses valvares). Ah tá!

Então, continuando… Daí, pegaram estes pacientes e compararam com os casos sem qualquer valvulopatia… Tá confuso?!

Também achei.

Mas vamos lá… Vamos tentar entender as definições: na análise de agora, eles separaram os casos do trial com doença valvar moderada e severa, e compararam com o resto (FA purinha, não-valvular ou com valvulopatia leve).

No ARISTOTLE original, eles incluíram os casos não-valvulares e os com doença moderada e severa, mas apenas os que tinham estenoses valvares moderadas… Não sei se me entendem… Realmente ficou confuso na minha cabecinha neurológica-não-cardiológica. Aos curiosos, sugiro irem aos métodos do paper e ler direitinho os critérios.

Bom.

Pulando esta parte da diferença entre FA valvar e não-valvar, os autores queriam responder se apixa e warfarina foram diferentes em relação a taxas de AVC e embolia sistêmica, sangramento maior e morte, nos grupos:

–> sem doença valvar ou doença leve versus doença valvar moderada/severa.<–

Resultados

Os casos com doença valvar moderada/severa tiveram mais AVC, embolia sistêmica e sangramentos.

Mâs…  (como dizem nossos amigos gaúchos… Beijo pra vcs!!!!)… Não houve diferença entre os dois anticoagulantes em redução de AVC e embolia (HR 0.70, 95% CI 0.51-0.97 e HR 0.84, 95% CI 0.67-1.04; interaction p=0.38), sangramento major (HR 0.79, 95% CI 0.61-1.04 and HR 0.65, 95% CI 0.55-0.77; interaction p=0.23), e redução de mortalidade (HR 1.01, 95% CI 0.84-1.22 and HR 0.84, 95% CI 0.73-0.96; interaction p=0.10).

Ou seja…

Palavras dos autores: “More than a quarter of the patients in ARISTOTLE with “nonvalvular” atrial fibrillation had moderate or severe valvular heart disease. There was no evidence of a differential effect of apixaban over warfarin in reducing stroke or systemic embolism, causing less bleeding, and reducing death in patients with and without valvular heart disease.”

Traduzindo…

Concluiram que “acharam” doença valvar moderada e severa no grupo de “não-valvares” do ARISTOTLE.

Hehehe… Que beleeeeeeeza!!!! (E assim vamos descobrindo as entranhas dos trials).

E que não houve diferença do NOAC apixaban com a velha e boa warfarina nestes pacientes… Hummm… Agora o negócio pegou.

E agora dagigatran e rivaroxaban?

LINK

Avezum et al. Apixaban Compared with Warfarin in Patients With Atrial Fibrillation and Valvular Heart Disease: Findings From the ARISTOTLE Trial. Circulation 2015.

EEG contínuo na Encefalopatia anóxica pós-PCR prediz desfechos. Entenda!

Um grupo holandês publicou na Neurology este mês um trabalho muito interessante, de um assunto que muito nos interessa – na verdade interessa mais aos neurohospitalistas / neurovasculares, quando frequentemente somos chamados para avaliar encefalopatias anóxicas pós-PCR…). O paper está com acesso livre. Aproveitem…

Os autores analisaram um grupo prospectivo de 277 pacientes em 2 UTIs, com o diagnóstico de coma pós-PCR. É bastante gente, considerando o problema estudado.

Fizeram EEG contínuo por 3 dias após a PCR. Categorizaram os padrões de EEG em desfavorável, intermediário ou favorável. Analisaram e juntaram estes dados com a clínica, ressuscitação, padrão do potencial evocado somatossensitivo (PESS) e desfechos em 6 meses. Cruzaram as variáveis e fizeram modelos preditores de prognóstico pior ou favorável após um coma pós-PCR.

Concluíram que o EEG feito de forma contínua dentro das primeiras 24h foi um dado robusto de predição prognóstica em pacientes comatosos após PCR. Outros dados interessantes: o padrão de EEG nas 24h, junto com ausência de reflexo pupilar em 48h e de passagem de estímulos no PESS em 72 horas, tiveram uma especificidade de 100% e sensibilidade de 50% para desfecho desfavorável. Ao contrário, um EEG favorável nas primeiras 12h foi fortemente preditor de bom desfecho.

EEG na UTI em pós-PCR: Ferramenta para prognosticar desfechos.

LINK

Hofmeijer et al. Early EEG contributes to multimodal outcome prediction of postanoxic coma. Neurology 2015.

AAN 2015 resumido em… 30 linhas

Novidades da Academia Americana de Neurologia de 2015… Em pouco mais de 30 linhas.

Highlights dissecados por neuros franceses. Publicados na Revue Neurologique.

Maravilha!!!!! Merci, Dr. Sibon et collègues !!!!

Aos neuronautas que conseguirem a façanha de ter o artigo na íntegra, pleeeease… I want!!! Detalhe, texto em francês.

Por enquanto, ficamos apenas com o abstract em inglês.

Abstract

Cerebrovascular diseases

The benefit of the thrombectomy using stents retrievers in the acute stroke phase is now demonstrated when there is a proximal occlusion of an intracranial artery, whatever its mechanism. The place of the anticoagulants in the management of cervical artery dissections remains uncertain, while the benefit of the blood pressure control in the secondary prevention of deep and lobar intracerebral hemorrhages is critical. The development of cardiac MRI, prolonged cardiac monitoring and transcranial doppler seems to improve the diagnosis of cardio-embolic sources of stroke.

Epilepsy

A specialized urgent-access single seizure clinic represents a model which reduces wait-times and improves patient access after a first fit. Co-locating a psychiatrist within outpatient epilepsy center leads to a reduction in psychiatric symptoms and people with psychogenic non-epileptic seizures. When neurologists around the world assess identical case scenarios for the diagnosis of epilepsy, concordance is between moderate and poor, showing that epilepsy diagnosis remains difficult. More than one third of elderly with new-onset epilepsy of unknown etiology exhibit temporal lobe atrophy on brain imaging.

Movement disorders

There is no major progress in the therapeutic approach of Parkinson’s disease but the discovery of new genetic markers such as glucocerebrosidase mutations may greatly change our knowledge of the disease process and may induce new therapeutic strategies in the future. The natural history of the disease is also better understood from the prodromal phase to the post-mortem analysis of the brain and the classification of the processes based on abnormal protein deposits.

Dementia

The respective value of biomarkers (amyloid imaging versus CSF biomarkers) for in vivo diagnosis of Alzheimer’s disease (AD) has been detailed. Therapeutic expectations mainly rely on anti-Aβ immunization trials performed in preclinical (and no longer prodromal) stages of AD, with the aim of slowing the evolution of neuronal loss. Besides a lot of communications on dementia genetics or physiopathogeny, fascinating and promising results were presented on deep brain stimulation for depression resistant to medical treatment.

Peripheral neuropathy

Ibudilast, administered with riluzole, is safe and tolerable in patients with amyotrophic lateral sclerosis (ALS), improves ALS function and delays progression. Patients with painful small fiber neuropathy have a high rate of mutations in the SCN9A gene, coding for Nav1.7 voltage-gated sodium-channels. Peripheral nerve lymphoma (NL) is a multifocal painful neuropathy that causes endoneurial inflammatory demyelination: primary NL is less severe than secondary NL, which occurs after remission, suggesting that nerve may be considered a “safe lymphoma haven”.

Multiple sclerosis (MS)

Biotin in progressive forms of MS and daclizumab in relapsing-remitting forms appear to be promising treatments. In case of failure of current first-line and/or second-line therapeutics, alemtuzumab may be an interesting alternative treatment. Teriflunomide, dimethyl fumarate and fingolimod are oral treatments with confirmed efficacy and acceptable safety. Besides vitamin D insufficiency and smoking, which are confirmed risk factors for the disease, testosterone insufficiency (in males) and obesity are emerging risk factors, which could also be corrected.

LINK

Sibon et al. American Academy of Neurology, Washington, 18–25 avril 2015. Rev Neurol 2015.

iNeuro Quiz: Trombectomia + rTPA no AVCi agudo

Faço questão de mostrar os números da nossa pequena “pesquisa” que está aí ao lado, há exatos 42 dias (vou deixar por 60 dias no total) …

Para reflexão das autoridades, gestores, residentes, pós-graduandos, neuros assistentes, neuros formadores de opinião, neuro-intervencionistas, radiologistas, chefes, preceptores de residências, etc, etc, etc.

Total de votantes até agora: 131

Resultados: 77 neuros (59%) atuam em local onde não é possível fazer a futura (ou seria atual?) terapia de primeira linha para AVCi agudo com menos de 3-4h, quando há oclusão arterial proximal… E em 41% dos hospitais dos votantes, n=44, há toda a estrutura necessária. Resguardadas a metodologia da estatística, nos dá uma ideia do cenário atual no Brasil.

Em um país onde até mesmo o rTPA endovenoso básico, cuja estrutura necessária é apenas: fitas de dextro + TC 24h + rTPA disponível + gente disposta a fazer… Nem isso temos na maioria dos hospitais…?! Eu iria esperar o quê?

iNeuro-quiz

E agora, José?!

Por um mundo Paperless…

Demorou!

Mas finalmente o Cremesp percebeu que todo aquele dinheiro gasto em impressão e papel, dos informes Jornal do Cremesp e Revista Ser Médico, poderia estar indo para a lata do lixo mesmo!

Quem já não jogou algum dos dois jornais do CRM-SP no lixo? Sem nem sequer abri-los, inclusive coberto com o plástico que vem dos correios?! Ah! Que atire a primeira pedra!

Vamos lá, gente. Fácil.

Para os médicos de SP, entrem no site do Cremesp, acessem a área do médico, façam o login com seu CRM e senha, e haverá um item chamado “Revista Ser Médico e Jornal do Cremesp”. Clicando ali, optem, pelo bem do planeta e do futuro dos seus filhos, pelo acesso apenas digital dos informes…

Amém! Alguém no Cremesp acordou pra a vida!

Neuro-Notícia do dia: “Paciente canta e toca violão durante cirurgia no cérebro”

Pára tudo.

Essa eu vi hoje, em várias homepages das principais do país. Foi notícia em tudo quanto foi lugar.

Eu, curiosa, fui atrás… E confesso que fiquei “incomodada”…

Como assim? Então pediram para o paciente cantar durante a retirada de um tumor cerebral presumivelmente no hemisfério esquerdo (pela posição do paciente na foto e vídeos postados)…? Para verificar se não seria atingida a área da fala (linguagem)?

Caros neuro-nautas…: Tá certo isso?! Ou tem algum possível furo nesta conduta dos colegas catarinenses?

Leiam abaixo. Vários papers com acesso livre (artigo completo).

Interessante para sabermos que uma parcela de pacientes afásicos motores podem, sim, cantar perfeitamente. Essa é, inclusive, uma estratégia realizada em terapias de reabilitação de afásicos.

Então a pergunta que não quer calar é: Pode-se fazer um mapeamento cerebral intraoperatório durante uma cirurgia do tipo “awake-neurosurgery” pedindo-se para o paciente cantar?

Divirtam-se. Muitos papers sobre o tema.

LINKS

Akanuma et al. Singing can improve speech function in aphasics associated with intact right basal ganglia and preserve right temporal glucose metabolism: Implications for singing therapy indication. Int J Neurosci 2015. 

Callan et al. Song and speech: brain regions involved with perception and covert production. Neuroimage 2006. 

Hymers et al. Neural mechanisms underlying song and speech perception can be differentiated using an illusory percept. Neuroimage 2015.

Stahl et al. How to engage the right brain hemisphere in aphasics without even singing: evidence for two paths of speech recovery. Front Hum Neurosc 2013.

Kil-Byung et al. The Therapeutic Effect of Neurologic Music Therapy and Speech Language Therapy in Post-Stroke Aphasic Patients. Ann Rehab Med 2013.

Certificação Digital para médicos e hospitais

** Por Maramelia Miranda

Nesta matéria, estamos no fim da fila!

Literalmente.

Você sabe o que é token? Leitora de certificados digitais? 

Sou médica neurologista, atuo na cidade de São Paulo em três dos grandes hospitais da cidade (dois privados e um público), e no meu consultório privado. Sou uma leiga em TI. Digamos… Uma leiga esforçada, tentando entender as novas tecnologias de TI em Saúde.

Comecei a estudar mais sobre a certificação digital há uns 4 ou 5 anos, quando meu irmão, que é magistrado, me “apresentou” pela primeira vez uma leitora de cartão. Ali, comecei a imaginar o quanto aquela pequena coisa poderia mudar as minhas atividades no futuro (ou neste presente?!), em um universo além das conhecidas ferramentas de PEP (prontuário eletrônico de paciente) que começavam a ser implantadas em diversos hospitais.

Estou acompanhando de perto. Quase todos os grandes hospitais de São Paulo hoje possuem implantados sistemas, dos mais diferentes de PEP… E aí está um dos problemas (PEPs diferentes…). Dois dos meus hospitais de atuação já dispõem de PEPs. Mas não uso certificação digital em nenhum. Apenas a “assinatura eletrônica” deles (login/senha e pronto)…

O último hospital que ainda está em folhinhas de papel, vai finalmente colocar o PEP no ar, apenas no final do ano de 2015, após complexo processo decisório e fechamento com um programa estrangeiro. O processo foi longo e difícil, primeiro pela dificuldade de se encontrar um programa que conseguisse englobar todas as necessidades da organização. Segundo, pela alta resistência a esta nova tecnologia por parte da classe médica, sobretudo dos mais velhos, acostumados à atuação profissional “antiga”, com registro e prescrição médicas manuais.

O novo não é fácil de ser absorvido. Para médicos, pior ainda. Eis uma classe muito, muito resistente às mudanças. Veja como exemplo a questão da Telemedicina, tecnologia que poderia ser imensamente explorada num país como o nosso, continental, onde faltam especialistas em lugares distantes. O maior exemplo desta resistência parte do nosso próprio conselho de classe, que ainda não permite a atuação médica totalmente por meio desta modalidade, sobretudo em certas especialidades, onde é perfeitamente possível o atendimento exclusivamente remoto. Nos EUA, isso já é realidade há alguns anos.

Quanto à certificação digital, percebo a mesma história. Não tenho nenhum colega médico que possui seu token. Alguns deles os tem gravados nos servidores dos hospitais onde a adesão total ao sistema de PEP com assinatura digital foi feita.

Onde eu deveria ter a certificação digital para poder assinar meus registros e prescrições do PEP sem precisar imprimir tudo, não tenho, porque o hospital prefere economizar com os certificados digitais aos médicos e profissionais da saúde, e escolheu gastar mais em impressos, tintas, papel e logística da gestão física dos prontuários, pois do ponto de vista legal, para o CRM e CFM, a legislação de guarda de prontuários exige que este esteja ainda em papel, quando não se tem as certificações digitais ICP-Brasil correspondentes.

Não sabe o que é ICP-Brasil? Ah! Leia mais AQUI.

E assim sigo eu… Usando PEPs por aí, sem certificação digital, e precisando sempre imprimir, assinar e carimbar a papelada toda.

Aliás, falando no velho carimbo, nada menos autêntico nesta minha vida médica do que o nosso carimbo, que pode ser feito em qualquer esquina, sem vistoria, sem cobrança de documentos ou verificação da autoria de quem o mandou confeccionar… Triste realidade. O pior: Ele vale! Nosso carimbo vale em todo lugar. Poderoso!!! Da farmácia ao laboratório, do relatório usado em processos judiciais ao atestado médico no trabalho dos pacientes.

Meu sonho? Mandar as receitas dos meus pacientes por email, diretamente a eles, e estes às farmácias de sua preferência. E depois, o farmacêutico receber o email, assinado digitalmente, e aviar o remédio para meu paciente. Assim, não preciso fazer mais uma receita, carimbar, assinar, deixar com minha secretária, e meu paciente atravessar a cidade para pegar uma folha de papel A5, porque a certificação digital simplesmente “não pegou” na área médica. Ou porque as farmácias não aceitam desta forma, mas tão somente com o maldito carimbo que qualquer pessoa pode fazer por aí usando meus dados. Ah! A vigilância sanitária também não aceita, e o laboratório também não. Ou seja, todo o sistema não está, realmente, preparado para isso.

Outros sonhos? Mandar atestados diretamente aos pacientes e estes aos seus trabalhos. Mandar relatórios aos meus pacientes com assinatura digital. Mandar pedidos de exames médicos por email, aos laboratórios. Me livrar daquelas pilhas de papel nos hospitais… Afinal, para que um PEP tão maravilhoso e cheio de links, formulários, integração e padrões de registros, se você precisa imprimi-lo inteiro!? Muita tolice.

Por último: As autoridades certificadoras e de registro deveriam procurar simplificar mais os processos de pedidos e instalações das certificações. Para leigos, penso que o processo ainda é complexo. Falta um suporte pós-venda, que auxilie o comprador do certificado no passo-a-passo da instalação. Me parece que eles não assistiram a aulinha sobre o princípio de “baby-steps”, tão comentado quando falamos em absorção de novas tecnologias… Eu mesma passei dois dias penando, pra conseguir o meu token funcionando corretamente. Ah! Agora eu tenho meu token.

Já comecei a usá-lo onde posso. E tem me ajudado muito. Sobretudo aos meus pacientes…

Será que algum dia vou parar de sonhar e acordar para uma nova realidade?

 

** Artigo original adaptado de uma publicação no excelente site www.cryptoid.com.br, que sabe tudo sobre criptografia e certificação digital, inclusive suas demandas na área da saúde…

Artigo Original AQUI.

Manual do CFM sobre prontuário eletrônico – AQUI.