Guillain-Barré: plasmaferese, imuneglobulina, corticóides ou nada a fazer?

Por Maramélia Miranda

Caros, nestes tempos de mudança de estações, saída de inverno, chegada do verão, nos deparamos com alguns casinhos de polirradiculoneuropatias inflamatórias desmielinizantes agudas — Síndrome de Guillain-Barré (SGB).

E nos dias de hoje, temos que lidar com os hospitais, operadoras e planos de saúde, exigindo relatórios para justificar as medicações prescritas… Um bom exemplo disso são os caso de SGB, quando temos que indicar terapias de alto custo, como plasmaferese ou imuneglobulina endovenosa hiperimune (IgEV)…

Além dos hospitais, planos e convênios, devemos sempre lembrar que temos cada dia mais que lidar com os pacientes e familiares super-ultra-bem informados (graças à Internet e globalização da informação), bem como com alguns assuntos controversos, até mesmo dentro da própria comunidade neurológica.

E daí volta a mesma questão: dar ou não dar corticosteróides (CE) em SGB?!??!?! Entra ano e sai ano, e a questão sempre volta… Tenho uma opinião formada sobre isso, e há controvérsias em diferentes escolas neurológicas dentro do Brasil. Mas tudo bem, vamos lá.

Não custa nada relembrar:

1 – Imuneglobulina EV e plasmaferese são igualmente eficazes no tratamento agudo de SGB em adultos (Nível A).

2 –  Imuneglobulina EV é efetiva e deve ser indicada no tratamento a longo prazo em adultos com CIDP (Nível A).

3 – Imuneglobulina EV é provavelmente efetiva e pode ser indicada no tratamento de miastenia gravis moderada a severa, e de neuropatia motora multifocal (Nível B).

4 – Imuneglobulina EV é possivelmente efetiva e pode ser indicada em dermatomiosite ou síndrome miastênica (Eaton-Lambert) refratários em adultos  (Nível C).

5 – Não há evidência suficiente para indicar ou preterir / contra-indicar o uso de IgEV em: SGB em crianças, neuropatia por paraproteinemias, miosite por corpos de inclusão, polimiosite, radiculoplexopatia diabética, Síndrome de Miller Fisher ou no tratamento rotineiro de síndrome pós-pólio (Nível U).

6 – Sobre o uso de CE, o recente guideline sobre o uso de IgEV fala que, até 2009, havia apenas um estudo classe I, que comparou IgEV com IgEV + metilprednisolona. Não houve diferenças entre os grupos avaliados (melhor desfecho funcional, 56% vs 68%, grupos IgEV vs IGEV/CE, respectivamente, OR 1.68, 95% CI: 0.78-2.88, p= 0.06), embora tenha havido leve tendência para melhor desfecho no grupo com CE…

Sobre o uso de CE isolado –> não há referências na recente diretriz.

Palavras da Academia Americana de Neurologia. Link abaixo, acesso livre ao paper na Internet.

LINK

Evidence-based guideline: Intravenous immunoglobulin in the treatment of neuromuscular disorders. Report of the Therapeutics and Technology Assessment Subcommittee of the American Academy of Neurology.

Link da clínica Mayo, com textos direcionados aos pacientes, texto trazido pelos familiares do meu caso. Vejam como os nossos parentes e pacientes estão ficando bem refinados..

E você?! Faz ou não faz IgEV? Costuma usar CE? Qual sua experiência? Deixem seus comments!!!!

Uso clínico de PET com Florbetapir para avaliação de declínio cognitivo

Por Maramélia Miranda

A agência de regulação americana Food and Drug Administration (FDA) aprovou recentemente (Abril 2012) o agente Florbetapir F18 para o uso em estudos com PET (tomografia por emissão de positrons), na detecção da carga de beta-amilóide cerebral em pacientes com declínio cognitivo, auxiliando o diagnóstico clínico de demência por Doença de Alzheimer (DA).

O Florbetapir é um radiofármaco que tem a capacidade de se ligar aos agregados de amilóide no cérebro, e através das imagens geradas no PET scan, há uma quantificação da densidade de placas de B-amilóide. Trata-se, portanto, de uma nova modalidade de neuroimagem em Medicina Nuclear. Nos Estados Unidos, o radiofármaco começou a ser distribuído pela indústria farmacêutica em Julho de 2012. Começam a aparecer, agora, os primeiros centros que estão iniciando suas atividades com este novo método na prática clínica.

O achado de um PET negativo para Florbetapir indica a ausência ou pequenas quantidades de placas neuríticas de beta-amilóide, levando ao raciocínio de uma provável causa não-Alzheimer para o declínio cognitivo do paciente, naquele momento da aquisição das imagens. Já testes de PET positivos demonstram maiores cargas de placas de beta-amilóide, que podem ser observadas em idosos com cognição normal, em fases pré-clínicas de uma demência por DA, por exemplo, ou em outras condições neurológicas, incluindo a própria DA sintomática.

Estudos com PET-Florbetapir (Amyvid) em dois casos diferentes: o primeiro negativo para detecção de amilóide; o segundo positivo.

Lembrar: nenhum exame complementar é perfeito. Portanto, há certas limitações, como o diagnóstico diferencial com outras condições que podem ter o PET com Florbetapir-positivo, e a ausência de evidências sobre se o novo método pode ser um preditor de desenvolvimento de demência ou outras condições, ou ferramenta para monitorar resposta aos tratamentos.

Uma boa e crítica leitura sobre este tema é apresentada na edição mais recente da NEJM (abaixo).

LINKS

Yang et al. Perspectives: Brain Amyloid Imaging — FDA Approval of Florbetapir F18 Injection. NEJM, Sept 6 2012.

Clark et al. Use of florbetapir-PET for imaging beta-amyloid pathology. JAMA Jan 19 2011.

Foto: University of Tennessee, Knoxville, TN

A roda da vida. A roda da ciência…

Por Maramélia Miranda

Ontem, no congresso europeu de Cardiologia (ESC 2012), foram apresentados os resultados do trial IABP SHOCK II, trabalho prospectivo conduzido para avaliar o impacto clínico do uso de balão intra-aórtico em IAM com choque cardiogênico… E vejam só: resultados supreendentemente semelhantes nos grupos tratados com e sem o BIAo!!! Mortalidade em 30 dias de 39,7 vs 41,3% para os pacientes tratados com e sem balão… Desfechos secundários todos semelhantes… O trabalho foi publicado online na NEJM, com editorial (óbvio!), discutindo seus resultados e a mudança que certamente fará no manejo dos casos de IAM…

A pergunta que vem à tona: o que fazer com anos e anos de prática clínica usando BIAo nos casos de IAM com choque cardiogênico…!!!!??? É certo que as diretrizes atuais apontavam esta prática com base em estudos de registro, nenhum trial prospectivo, randomizado e controlado…

Nestas horas, fico me perguntando: será a ciência como a moda? Vai calça pantalona, vem calça pantalona; vai cores neon, volta o reinado neon… As tendências vem e vão num ciclo, como a roda da vida…? Há alguns meses atrás, ressuscitaram o ácido tranexâmico endovenoso na terapia de fase aguda de hemorragia meníngea, em dois guidelines sobre este tema, e “jogaram fora” a fenitoína para a prevenção de crises convulsivas nestes pacientes. Até hoje os neurocirurgiões me xingam quando digo que a diretriz recente não recomenda o uso de fenitoína em AVCH e HSA, e eles querem prescrever o Hidantal de qualquer jeito!

Até 4 anos atrás, se pensava que endarterectomia era pior em pacientes  “de alto risco” (idosos, múltiplos fatores de risco cardiovasculares, coronariopatas, resultados do SAPHIRE, etc…), e este grupo de pacientes ganhavam a preferência por revascularização com angioplastia e stents carotídeos. Veio o CREST, e toda esta ideia lógica e bem razoável das nossas experiências,  dos estudos de registros e séries de casos publicados até então, foi tudo por água abaixo, ressuscitando novamente as endarterectomias… Quem ia imaginar, antes da publicação do CREST, que o paciente mais idoso iria melhor com endarterectomia do que com o procedimento endovascular??? Foi um resultado totalmente surpreendente!

Com o forame oval patente (FOP), a mesma coisa: neurologistas e cardiologistas americanos cansaram de indicar, desde o começo da década de 2000, o fechamento percutâneo de FOP para os todos os casos de AVCi criptogênico com FOP diagnosticado… Até vir a evidência de que o resultado em relação às recorrências com o tratamento clínico é semelhante ao percutâneo. Doença aterosclerótica intracraniana? Outra supresa: o SAMPPRIS respondeu a questão do uso dos stents intracranianos com a sua própria interrupção de recrutamento, num trial financiado pelo NIH… (há quem critique o estudo, o stent utilizado, etc, etc, etc…). O fato é que a única evidência que temos é de que o tratamento médico, até o momento, demonstrou ser superior em doença atero intracraniana.

Magnésio na HSA e vasoespasmo: mais uma das nossas neuro-decepções dos últimos anos… Nada de diferença.

Ou seja:

1 – A ciência é uma roda, uma gangorra, uma montanha russa, assim como as nossas vidas: ela gira, vai, volta, sobe e desce, e estamos aqui tentando fazer com que caminhemos sempre ao lado, buscando a melhor prática médica possível.

2 – Nenhuma verdade é para sempre.

3 – Sempre duvide de opiniões e impressões clínicas. Matemática e estatística, na maioria das vezes (se não for manipulada), funciona.

4 – Estou ficando velha. Tudo o que contei acima, vivenciei nestes últimos 10 anos… (fora o que não lembrei de mencionar).

Ande! Malhe! Coma menos! E seja feliz… (e saudável)!!!

Por Maramelia Miranda

Entre as novidades de estudos apresentados no recente congresso da Academia Americana de Neurologia, em New Orleans, a neurologista brasileira Erica Camargo apresentou os dados do Framingham Offspring Study, onde foram acompanhados mais de 2400 indivíduos por 11 anos de follow-up, e – vejam só – aqueles com velocidade de marcha mais lenta tiveram um aumento de 50% no risco relativo de desenvolvimento de demência, em comparação com os indivíduos com velocidades de marcha mais rápida. Quando avaliada a força no aperto de mão, aqueles com maior força de preensão tiveram 42% menor risco de AVC ou AIT em comparação com os casos de preensão mais fraca. Ou seja, testes simples feitos numa consulta neurológica ambulatorial, com medidas de velocidade de marcha ou força de preensão palmar, podem auxiliar na predição de risco para demência e AVC/AIT.

Em outro estudo, desta vez da Mayo Clinic e apresentado por Yonas Geda, os autores demostraram que, em uma população de individuos idosos normais, a ingesta calórica entre 2100-6000 cal/dia dobrou o risco de desenvolvimento de declínio cognitivo leve (MCI).

Finalmente, Daniel Corcos, de Illinois, apresentou os dados sobre Doença de Parkinson, em que os treinos de resistência nos parkinsonianos não só melhoraram a força muscular neste grupo de pacientes, como também reduziram os sinais de piora clínica e evolução da Doença de Parkinson, ao longo dos anos…

Erica Camargo: Brasileira entre os que “agitaram” novas evidências sobre hábitos de vida e doenças neurológicas, em New Orleans…

Obs. Em tempo: Erica não mora mais aqui no Brasil. Foi devidamente “garfada” pelos gringos (como ocorreu com alguns outros competentíssimos brasileiros), e mora definitivamente nos EUA… Já há alguns anos.

Obs 2. Aos sedentários e “comilões”… MUDANÇA DE HÁBITOS JÁ!!!!!!

Estimulação Magnética Transcraniana recebe aprovação do CFM para fins terapêuticos

Por Maramélia Miranda

Demorou!!!

Foi publicado em 2 de maio de 2012, no DOU (Diário Oficial da União), a nova resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que regulamenta o uso da estimulação magnética transcraniana (EMT) para três indicações terapêuticas específicas: no tratamento da depressão uni ou bipolar; no tratamento de alucinações auditivas em esquizofrenia; e para o planejamento terapêutico em pre-operatório de neurocirurgias.

Até então, tratava-se de técnica usada no âmbito de pesquisas e considerada como experimental, apesar de ter seus benefícios já referendados em estudos diversos nas áreas de Psiquiatria e Neurologia, bem como a liberação pelo FDA (orgão regulador nos Estados Unidos) desde 2008. A ressalva é que nos EUA, a aprovação é apenas para mapeamento cortical pre-operatório e depressão, embora outras indicações “off-label” sejam utilizadas em alguns centros.

Segundo a nova norma do CFM, a EMT deverá ser realizada apenas por profissional médico, em ambiente com a possibilidade de monitorar as complicações do método, como, por exemplo, crises convulsivas.

LINKS

CFM reconhece a Estimulação Magnética Transcraniana como ato médico

Notícia no site do CFM – Conselho aprova nova técnica para alucinações auditivas e depressões

Resolução CFM 1.986/2012

Conforto et al. Estimulação Magnética Transcraniana. Arq Neuropsiquiat 2003; 61(1):146-52. Artigo de revisão sobre o método.

Practice Guidelines da American Academy of Neurology: Migrânea episódica em adultos

Por Maramelia Miranda

A Academia Americana de Neurologia publicou neste mês dois artigos de update sobre migrânea episódica no adulto, a respeito do tratamento preventivo e uso de anti-inflamatórios e outras terapias nesta situação. Os documentos foram publicados na Internet e na revista Neurology, na forma de Practice Guidelines.

É uma leitura obrigatória para os neuros, sobretudo os neurologistas clínicos que atuam em consultório e ambulatórios, considerando a alta prevalência da enxaqueca neste tipo de prática clínica.

LINKS

Update: Pharmacological Treatment of Episodic Migraine Prevention in Adults

Update: NSAIDs and Other Complementary Treatments for Episodic Migraine Prevention in Adults

Diretrizes para o uso de Imuneglobulina endovenosa: Report of the Therapeutics and Technology Assessment Subcommittee of the American Academy of Neurology – 2012

Por Maramelia Miranda

A American Academy of Neurology (AAN) liberou na sua publicação Neurology da semana passada, um novo guideline sobre as recomendações para o uso de imuneglobulina endovenosa (IgEV) no tratamento das doenças neuromusculares.

Atenção neurohospitalistas, neurointensivistas, residentes da Neurologia e neuromusculares!!!! Guideline fresquinho recém-saído do forno!!!!

Para a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), a IgEV tem forte evidência (Nível A) de eficácia no tratamento agudo, comparável ao tratamento com plasmaferese. Este uso nas crianças com SGB, entretanto, não tem muito suporte na literatura, mas pode ser uma opção de tratamento aceitável, ou como os americanos gostam de escrever – “reasonable” (eles adoram esta palavrinha…)… As evidências são insuficientes para recomendar o tratamento do SGB com IgEV associada aos corticóides, bem como estabelecer uma dose ótima de IgEV nestas condições.

Na Polineuropatia Desmielinizante Inflamatória Crônica (CIDP – sigla em inglês), a evidência também é nível A – forte –  quanto ao uso da IgEV, com a ressalva sobre a falta de dados comparando esta modalidade terapêutica em relação aos outros tratamentos da CIDP – corticóides, plasmaferese e imunossupressores, bem como sobre os estudos insuficientes a respeito na dose, frequência e duração da IgEV na CIDP…

News – Para a miastenia gravis e neuropatia motora multifocal, o documento declara que a IgEV é “provavelmente efetiva, devendo ser considerada” no tratamento agudo destas condições (evidência moderada, nível B).

Finalmente, com evidência fraca – Nível C, os autores sugerem que a IgEV é possivelmente efetiva, e pode ser considerada para tratar dermatopolimiosite refraária em adultos, bem como na síndrome miastênica do tipo Lambert-Eaton. Nas situações neuromusculares menos frequentes – como as neuropatias imunomediadas,  polimiosite e síndrome de Miller-Fisher, por exemplo, não há dados na literatura, e, como também eles adooooram falar – “futher research is needed”.

Imuneglobulina endovenosa hiperimune: Use racionalmente!

LINKS

Evidence-based guideline: Intravenous immunoglobulin in the treatment of neuromuscular disorders. Report of the Therapeutics and Technology Assessment Subcommittee of the American Academy of Neurology

Fingolimod (Gilenya) causa 11 mortes e será revisado pelo FDA e EMA

Por Maramelia Miranda

A primeira droga para o tratamento oral da Esclerose Múltipla, o recente lançamento Fingolimod, da Novartis, está sendo revisado pelo FDA (agência de regulação de saúde americana) e EMA (agência de regulação de medicamentos europeia), em virtude da ocorrência de onze mortes após a ingestão da primeira dose da droga, aparentemente relacionadas a problemas cardíacos.

Vejam no link AQUI, a notícia, originalmente publicada pela Business Week há 7 dias.

Será que a ANVISA vai fazer alguma coisa por aqui no Brasil? Vamos aguardar. E cobrar.

Novas diretrizes para o diagnóstico de Doença de Alzheimer

Por Raul Valiente e Maramélia Miranda

A última diretriz sobre o diagnóstico da Doença de Alzheimer (DA) era de 1984. Mas esta semana, após 27 anos, foram publicados na revista Alzheimer & Dementia, um conjunto de artigos revisando estes critérios, que incluem três documentos: o primeiro contendo os critérios clínicos de demência por DA; o segundo comentando sobre o transtorno cognitivo leve (MCI – “mild cognitive impairment”), e um artigo sobre a propedêutica nos casos pré-clínicos de DA. Estes artigos foram escritos por neurologistas com expertise em demências do National Institute on Aging e Alzheimer’s Association, e este grupo de estudo foi apoiado pelo NIH (National Institute of Health). Nos artigos, descrevem, entre outras coisas, as novas tecnologias que surgiram ao longo dos últimos 27 anos, na investigação e nas definições destas condições clínicas.

Para acessar os documentos, clique aqui, na página da revista, onde você poderá baixar os PDFs na íntegra!

Boa leitura!

AHA e ASA publicam guideline atualizado de Prevenção Secundária do AVCi

Em 25 de outubro último, a Stroke publicou em sua homepage o consenso atualizado sobre a prevenção secundária de AVC ou AIT, publicação oficial da American Heart Association e American Stroke Association, endossada pela American Academy of Neurology e American Association of Neurological Surgeons.

Mais tarde, após rever o consenso, detalharemos as novidades desta nova atualização…

Para baixar a versão original do guideline 2010 de prevenção secundária de AVC da AHA/ASA, acesse aqui.